sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Christiane F.: Livro, filme, legado



Meu professor de redação atual, assim como eu, também gosta de filmes que tentam passar uma mensagem, se utilizando de meios menos óbvios que o “eu digo, você me segue” e por vezes servindo de contra-exemplo, ou a história sendo um mero pano de fundo.

Nós também concordamos em uma coisa: Um filme baseado no livro dificilmente é melhor que ele, e muitas vezes acaba sendo pior. E Christiane F. não é diferente. O Filme é basicamente um trailer do livro, em que você acaba ficando perdido e não entendo muitos personagens chegando, indo embora, e o fato mais chocante do filme sendo uma personagem importantíssima nele abordada de forma fraca e muitas vezes superficial.

Não se preocupem, eu sei que o filme tem que desenvolver em menos de 2 horas em torno de 300 páginas, ou no meu caso, quase 1 semana de leitura e eu não culpo o filme por isso. Eu o acho bom, muito muito bom, um retrato da juventude dos anos 70/80 (pelo menos lá de fora), tanto da comum, com conflitos entre pais separados, a adolescência, a exposição à contra-cultura da época, quanto da juventude mais hardcore, com drogas pesadas, assaltos, mortes, prostituição (Não é a toa que o subtítulo do filme é “13 anos, drogada, prostituída”).

Mas o filme peca, ah sim, como peca. Pra começar o filme se inicia citando uma frase do livro, que mesmo estando nas páginas iniciais, causa confusão se você nunca leu o filme. Inclusive da primeira vez que eu vi o filme, eu parei por que eu achei que era apenas mais um filme sensacionalista, onde o uso de heroína estava acima de qualquer história (spoilers, mais tarde)

Porém, o filme faz mais bonito que o livro por algumas vezes, a Sound é muito mais dark, triste e melancólica no filme do que a versão que imaginamos ao ler o livro. E a cena dos amigos junkies dela correndo pelo centro comercial ao som de Bowie é muito mais imponente que a descrição no livro (menos a cena das moedas).

O filme é uma versão mais light do livro, e sinceramente, já conversei com pessoas a respeito disso, e a mensagem anti-drogas do filme é muito fraca, muitas vezes levando você a pensar como seria, basicamente pelo fato que você fica perdido durante todo o filme e acaba não criando nenhuma relação com os personagens, pelo menos não tão fortes como no livro, que REALMENTE deve ter impedido muitos jovens de começar nesse mundo

Agora começa os spoilers, infelizmente, se você não leu o livro, viu o filme, ou é a primeira vez que ouve falar da Christiane, vá e compre o filme ou o livro, ou baixe-os, infelizmente sou meio contra colocar links para o e-book, ou para o filme, mas existem muitos por ai, procure no Orkut que se acha bem fácil.

Ah, uma curiosidade legal (que não é um spoiler), é que numa das primeiras cenas (antes dos primeiros 10 minutos), Christiane vai ao cinema da boate Sound, e lá ela vê Night of The Living Dead. E bem, ela primeiro vê uma das cenas finais, corta o telão, e quando volta, estamos em uma das primeiras cenas.

SPOILER

A Babsi foi muito mal aproveitada no filme, no livro a exploramos melhor, descobrimos o que ela pensa desse mundo, como ela se sente, o porquê de mesmo possuindo uma boa família ela resolver ir por esses caminhos, porra, até o fato da sua rivalidade com a Stella é melhor explicada no livro. Se bem me lembro, isso no filme só é citado no momento em que se conhecem na sound e depois nunca mais, inclusive só contracenando mais uma vez juntas na mesma cena.

Os namorados da Christiane são também melhor explicados, e até entendemos o porquê dela ter essa afeição pelo Detlef: ela passou por péssimos namorados. O primeiro dela tentou ir pra terceira base durante um filme, sendo que ela tinha menos de 12 na época, e usava enchimentos. Detlef é o primeiro homem da vida dela, que a enxerga como ela, e não algo. Sim o primeiro, nem seu pai a via como algo mais que uma filha, uma mera posse sua, que ele renegou ao deixá-las. Ah sim, Christiane F. foi deixada com sua irmã mais nova (pouca coisa mais nova, 1 ano, acho) e sua mãe.

E antes delas se virem livre deles, ele batia em todas, sim na mãe também, por coisas bestas, e batia nelas por reações “erradas” às palmadas. Ele também tinha vergonha delas, sendo chamado de tio quando algum amigo dele ia à casa dele. Seu único orgulho era seu Porsche e suas memórias de família.

Os pais dela se casaram jovens, basicamente porque ela ficou grávida e foi obrigada a casar, por completa desinformação (famílias rurais da década de 60). Aliás, a mãe depois diz que essa gravidez foi a maneira dela fugir daquela realidade, logo se entende o porquê de toda aquela liberdade tão precoce dada à Christiane, ela não queria que a filha passasse pelo mesmo que ela só para conquistar sua liberdade.

Christiane nas ruas nota que o respeito e adoração dos outros é relacionado aos seus amigos, seus laços afetivos, seus conhecidos, ao temor e ao poder que se obtém, mostrando sua deturpada noção de amor e amizade, e seu desejo de respeito, tudo fruto do seu pai.

Com isso, passa da turminha que invade o porão do prédio, pra turma que briga atrás da escola, pra turma que finge ser maior de idade, pra turma que fuma e bebe, pra turma que fuma maconha, pra turma que usa drogas moderadas, e pra turma que usa heroína, primeiro por via nasal, no final de um show do David Bowie, para o uso intravenoso, num banheiro sujo, ajudado por um qualquer.

Basicamente, o filme começa com ela indo à boate sound (depois de citações que só fazem sentido pra quem leu o livro), logo, priva os marinheiros de primeira viagem de criar uma consciência sobre o porquê disso. Ela é basicamente a apressadinha da turma, que usa salto alto e enchimento aos 13 (o livro se passa no final dos 70).

Talvez você pense “porra, o livro cortou mais de 10 anos de história dela, a partir de agora deve ir normal, né?” E a resposta é um grande NÃO. O filme nos priva dela saindo com Stella, com Babsi, entrando cada vez mais fundo naquele mundo sujo, que o namorado dela acaba sendo em parte o culpado, mesmo que faça o máximo para impedi-la de se aproximar desse seu outro lado ela vai, provando que a decisão foi dela.

O livro corta momentos como as várias tentativas de internação para se livrar da heroína, com o namorado em casa, sozinha, com a Babsi. Aliás, a Babsi é parte importante da história aqui. Ela é a garota com a qual a Christiane não apenas interage, como com quem ela mais se nota espelhada. Ela muitas vezes nota que ela vai pelo mesmo caminho que ela, e sabe que não há nada a se fazer, por que a Christiane na idade dela também achava que teria autocontrole, o que resulta num ótimo diálogo onde ela a impede de experimentar heroína, agindo como uma mãe, e a Babsi acha idiotice, agindo como a Chris agiria nessa situação, um belo retrato de como a família tem pouco poder sobre o adolescente.

E uma cena que até hoje me dá calafrios, é a cena na qual Detlef diz que ele se prostitui pra pagar pelas suas drogas. Christiane leva um tempo pra entender isso, e fica ainda pior quando ele diz que só “faz coisas leves”. Porra, na primeira vez que vi isso, eu parei o filme, e só voltei a vê-lo de novo, vários meses depois. Sim, não agüentei mais ver o filme depois disso. Li o livro vários meses depois, mas até hoje, essa cena, onde ele diz que “É apenas um trabalho”, e o fato da Christiane achar que isso é uma brincadeira, nos faz acreditar que ela não sabia no que estava se metendo. E realmente não sabia, essa realidade era ignorada, deixada de lado pelo povo alemão, e pelo mundo como um todo. Não acreditavam em recuperação, acreditavam em segregação, retirá-los da sociedade.

FIM DO SPOILER

Não se ouvia abertamente sobre drogas, não se falava abertamente sobre drogas, nem sexo, nem bebida, nem cigarros, nem boates, nem nada. O mundo da classe-média capitalista estava morrendo de medo: dos soviéticos, tão próximos e tão fortes, dos drogados, dos junkies, dos rockeiros, dos diferentes, que nada mais eram que pessoas tão iguais a eles que tiveram outras escolhas, ou por vontade própria, ou por não ter mais nenhuma escolha.

Esse livro mudou a sociedade. Mudou a maneira como viam os drogados. Eles não eram mais pessoas estáticas, excluídos sociais, pobres, imigrantes, sujos. Eles eram adolescentes, eram filhos e filhas, pais e mães, que não tinham como agüentar aquela realidade: Pais separados, crise do petróleo, desemprego, más condições habitacionais, famílias com um fraco planejamento familiar e com uma péssima maneira de educar os filhos.

No filme “a onda” (“Die Welle”), muitas dessas características são citadas como imprescindíveis para a criação de um regime facista, porque ele lhes dá algo, lhes dá um propósito, uma ideologia, amigos, status.

E basicamente isso tinha sido comprovado por esse livro, quase 10 anos depois do experimento do “Third Wave”, no momento em que Christiane afirma basicamente que ela preferiria ter vivido uma ideologia nazista, não por simpatizar com o partido, mas simplesmente por que ter uma ideologia, mesmo que errada, é melhor que não ter nada.

O filme e o livro podem ter alguns erros, e talvez alguém afirme que eles são líricos demais para se acreditar em alguma realidade, mas leia o livro, ou veja o filme, tenho certeza que vai mudar a sua vida, da mesma maneira que mudou a minha. Ah, e fuja da versão dublada, parece q foi feita pelo hermes & renato

Um comentário:

  1. First!!

    Bom não importa, mutio foda este seu blog, ja entrou no blog http://jackodiario.blogspot.com/? É bem fodinha

    Sim, isso foi uma propaganda sem vergonha pro meu blog.

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